domingo, 2 de agosto de 2009

Minha Amiga, A Norma: Instituindo o Trabalho Cooperado

Entendo a necessidade e utilidade de Políticas, Normas e Procedimentos em uma organização, especialmente de governo; só não gosto da cotidiana falta de "jogo de cintura" de alguns cabeças-dura. É como uma história contada esses dias por um colega. Num tradicional colégio religioso de Salvador, o diretor ordena o jardineiro a molhar as plantas todos os dias as 17h. E ele o fazia, mesmo se estivesse chovendo canivetes! A famosa NORMA nos remete àquela imagem caricata do livro velho cheio de regras engessadas, escrita por não sei quem, há não sei quanto tempo e para fazer exatamente não sei o que ("só sei que é assim..."). Em tempos de tecnologia, as normas agora estão disponíveis em um sistema web, então pelo menos a busca fica mais fácil. E você não espirra nem fica com os olhos vermelhos por causa dos ácaros.

Desde que comecei este blog jamais imaginei que fosse elogiar aqui este instrumento eminentemente burocrático sendo utilizado para promover a colaboração interna em uma empresa. Comentarei sobre a Norma de Trabalho Cooperado, um exemplo de ação concreta da diretoria da minha empresa, o Serpro, com vistas à promoção do compartilhamento e cooperação. Não tenho autorização para divulgar seu texto na íntegra, então vou tentar captar e resumir as principais idéias, fazendo algumas "projeções" para o futuro próximo.

"Casa de ferreiro, espeto de pau". Ô ditadozinho comum. Focada nos clientes externos (até aí, nada demais), as empresas de excelência em TIC sofrem com ferramentas internas de má qualidade e desintegradas, processos lentos e amarrados. Ga$tam uma grana com con$ultoria e contratam cada BOMBA, que Deus nos Livre! Aí a gente se pergunta "com tantos desenvolvedores bons (no Serpro são quase 4.000!), não seria possível juntar 3 ou 4 e construir uma solução interna focada em nossa realidade?". Bom, possível sim. Mas na prática... Cada unidade só olha seu pedaço. Não enxergam um palmo diante do nariz. Não percebem o ganho de produtividade a médio prazo, para toda a organização. Ninguém pode "emprestar" duas pessoas (dentre 200, de um polo regional de desenvolvimento) em tempo parcial, para um trabalho colaborativo desta natureza. A culpa é da gerencia média (o Gargalo está na Gestão, lembram?), pois na base da pirâmide tá cheio de gente louquinha para meter a mão na massa e resolver as questões que afetam negativamente o dia a dia de cada uma.

Já que o cenário acima representa uma "sinuca de bico", nossa diretoria resolveu agir. Dentre outras ações (veja Planejamento Estratégico Colaborativo e Desfragmentação Empresarial) editou uma Norma que pretende garantir a formação de uma rede de colaboração em torno de projetos considerados estratégicos, independente da hierarquia formal da empresa. Não chega a ser tão livre quanto a Regra dos 20% (veja O Ócio Criativo), mas é um excelente começo. Funcionará mais ou menos assim:

1) A empresa institui um Comitê de Trabalho Cooperado, com representantes de todas as Unidades Organizacionais. Por Trabalho Cooperado entende-se "Forma de organização do trabalho, criada para promover o compartilhamento de recursos e de conhecimentos inter-áreas sobre assunto específico, instituído por meio de estruturas colaborativas em rede para constituir uma Comunidade Corporativa".

2) Qualquer pessoa da empresa pode propor Projetos para serem desenvolvidos de forma Cooperada (uma restrição atual: projetos para clientes externos - ex: Receita Federal - não são objeto da Norma, ou seja, serão tocados da forma tradicional). Detalhe: O Framework Demoiselle, projeto cuja parte técnica lidero, é um dos Projetos já pré-aprovados.

3) Dentro de macro-temas (ex: Ferramentas de apoio ao Desenvolvimento, Software Livre, Soluções focadas em Colaboração e/ou Reuso), o comitê periodicamente se reune (com o passar do tempo, creio que não serão necessariamente encontros presenciais) para avaliar e aprovar (ou não) alguns.

4) Projetos aprovados deverão ser executados de forma "pública" (mesmo que seja na Intranet) em ambiente apropriado (veja Ambiente de Desenvolvimento Colaborativo). A idéia é que seja criada uma comunidade interna, de forma semelhante como ocorre no mundo do Software Livre. O Serpro adotou o Colab.Serpro, uma espécie de SourceForge interno baseado na ferramenta livre GForge.

5) Pessoas podem participar das Comunidades em diversos níveis (usuários, testadores, beta-testers, tradutores, comitadores, ...). A alocação formal de tempo deve ser objeto de negociação e pode ocorrer por iniciativa: a) Da própria pessoa: Ela encontra um trabalho de seu interesse e se "candidata" a uma vaga; b) Da chefia imediata: Um chefe formal percebe uma oportunidade de contribuição e sugere a participação de um funcionário; c) Da equipe do projeto cooperado: a equipe indica a participação de um funcionário que reconhecidamente tem perfil para contribuir com o trabalho.

6) O trabalho flui organizado de forma particular a cada Comunidade (ver Os 5 Tipos de Projetos Open Source), contanto que seja um processo transparente (uso intensivo das Listas, Fóruns, Wikis, Repositórios de Configuração, ....); As pessoas se destacarão com base na Meritocracia. Não importa quem te indicou nem o cargo que você ocupa. O que vale é a sua contribuição efetiva para o projeto.

7) Ao final do Projeto o desempenho das pessoas será considerado formalmente no Sistema de Avaliação. Isso acaba com a história de "só quem avalia é o Gerente Funcional", o que simplesmente desconsidera o que os funcionários fazem "para as outras áreas". Todo trabalho é importante e toda contribuição será considerada.

O interessante disso tudo é que a negociação das vagas será feita também de forma pública. Exemplificando: Se eu desejo participar de um Trabalho Cooperad, me candidato a uma vaga postando uma mensagem num Fórum específico. Se meu chefe não quiser/puder me liberar, ele terá que fazer um registro neste mesmo fórum, explicitando as razões. A empresa também está criando indicadores de quotas de colaboração (quantos % do esforço da área X está dedicados Trabalhos Cooperados? Mesmo que não sejam estabelecidas metas (ex: mínimo de 15% por área), esses dados ajudarão a identificar "ilhas problemáticas", aquelas unidades que "nunca tem como contribuir com nada". Que gerente gostaria de estar nessa "berlinda"?

A Norma foi publicada há pouco tempo. Hoje a empresa está num esfoço interno de divulgação (importantíssimo, né!?) e em breve poderemos ver frutos. Particularmente acho que vai ocorrer o que estou chamando de "Efeito Sanduíche": Na "base" várias pessoas vão propor Projetos e/ou se candidatar a participar deles; No "topo" a alta direção (ou, pelo menos, parte dela) está incentivando fortemente essa nova forma de trabalho. No "meio" a gerencia média será espremida e, mesmo que não concorde (ou pior, não compreenda os benefícios), será obrigada a participar e talvez (assim espero) aos poucos comece a enxergar os benefícios.

Uma mudança de cultura não se institui por decreto, mas por hora me resta aplaudir (e torcer, e fazer minha parte) essa bela e ousada iniciativa da Direção rumo a uma empresa mais colaborativa.

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