domingo, 18 de abril de 2010

Universidade Pública, Conhecimento Livre - Os 3Ps para uma Produção Acadêmica Aberta

Quando eu me formei Bacharel em Infomática pela UCSal, em 1996, a internet estava começando seu "boom" no Brasil. Uma das cópias da minha monografia (assim como todas da época) sobre comunicação em ambientes heterogêneos usando sockets (naquele tempo isso era novidade para muitos!) foi disponibilizada na biblioteca da universidade (bom, você deve imaginar que a essa altura o arquivo texto e os códigos-fonte foram pro espaço, num dos HDs queimados da vida). Creio que atualmente ainda seja assim. Até hoje fico pesando, "será que alguém chegou a usar minha monografia como referência para um trabalho"?

Estamos na era da Web 2.0. Redes sociais, blogs, wikis "pipocando" por aí, um mundo de conhecimento virtual à nossa disposição. Independente de qual o curso, computador se tornou ferramenta indispensável, portanto os trabalhos já nascem digitais (é... devem existir alguns heremitas que entregam datilografado - e ainda pagam para isso, pois escrevem é "na mão"). Será mesmo que ainda faz sentido apenas entregar oficialmente uma cópia impressa, para que os trabalhos científicos fiquem empoeirando nas plataleiras da biblioteca universitária, esperando ser encontrado por algum explorador aventureiro? Acho que é hora de dar o próximo passo.

O Brasil é referencia mundial no uso e incentivo a "esse tal de Software Livre", muito por mérito das políticas do atual governo. Empresas públicas devem utilizar e contratar prioritariamente software de código aberto. As prestadoras de serviço foram obrigadas entrar no jogo, para continuarem competindo. Ainda estamos muito presos, porém, à economia na aquisição de software. O efetivo compartilhamento de conhecimento está longe de acontecer em larga escala. Via de regra a gente quer mesmo é "usar sem pagar" (o "grátis" - popular 0800 - tem uma sedução impressionante!) - a primeira das 4 Liberdades do Software Livre, mas se interessam muito pouco em colaborar para melhorar aquela solução (as liberdades de Estudar, Copiar e Distribuir). É cultural. Mudar leva tempo. Família e escola precisam educar suas crianças para uma postura mais colaborativa. Só que não precisamos esperar elas crescerem. O governo poderia tomar atitudes imediatas para começar a modificar a realidade. E nós, também.

Há algum tempo escrevi no meu blog pessoal sobre Software Livre nas universidades, imaginado por que muito código-fonte não é disponibilizado, fica preso "debaixo do braço"dos seus autores. Evoluindo este pensamento, vou além da questão do software. Acho que deveriam obrigadoriamente ser disponibilizados na internet - sobre alguma licença Creative Commons - todo os trabalhos produzidos em universidades públicas, principalmente Trabalhos de Conclusão de Curso de graduação ou pós-graduação, Dissertações de Mestrado, Teses de Doutorado. E mais, que todos os códigos produzidos, em se tratando de Informática, fossem liberados sobre alguma licença livre, como a GPL. Seria uma maneira quase que óbvia de garantir à sociedade o retorno do investimento que ela mesma (leia-se: nós, que pagamos impostos) vem fazendo nesses estudantes. É natural que seja público o conhecimento produzido numa instituição pública.

A educação tem um papel fundamental para o desenvolvimento de qualquer país. O que a academia brasileira está fazendo a respeito do tema aqui tratado? As universidades públicas tem alguma disciplina que fale de Software Livre e mostre que não se trata de caridade? Coordenadores de Cursos, Professores e Orientadores estão atentos ao assunto? Alunos são estimulados a disponibilizar na web o produto de seu estudo? Aprendem sobre trabalhar em comunidades virtuais? Livros sobre o assunto (mais abaixo sugiro alguns) são disponbilizados na biblioteca e indicados como referencia para trabalhos individuais e em equipe? Há muito o que ser feito.

Retomo o assunto apresentando uma estratégia de implantação batizada aqui de 3Ps: Política de Governo, Portal e Participação.

Política de Governo

Para dar certo e ter chance de continuidade, tudo começa por aí, não tem jeito. A política faz o papel da estratégia. É a direção, o rumo, o norte. Para onde tudo aponta. Ministério da Ciencia e Tecnologia junto com da Educação (são os dois que enxergo mais relacionados) precisariam normatizar a obrigatoriedade da publicação digital de todo o conhecimento produzido na Universidade Pública (ideal é que valesse também nas particulares, mas acho que o governo tem esse poder). Talvez seja preciso um Projeto de Lei para oficializar a questão, tratar eventuais casos de exceção. Taí um tema candidato a ser "apadrinhado" por algum Deputado interessado na causa.

Portal

De nada adiantaria a Política sem os instrumentos necessários para viabiliza-la. É fato que hoje cada um já pode individualmente decidir publicar seus trabalhos em suas páginas pessoais (é o que venho já venho fazendo em Meu Lugarejo), blogs ou redes sociais, mas ficaria tudo espalhado e misturado com o maravilhoso caos de informação que já temos hoje (pelo menos graças ao Google, temos um meio efeciente de busca). Me lembrei de três iniciativas que poderiam servir de referencia: o Portal de Software Público Brasileiro (do Ministério do Planejamento), a Incubadora Virtual (da Fapesp) e a Open Source University Meetup - OSUM (da recentemente adquirida Sun Microsystems. Veremos o que a Oracle fará).

Para mim, o Brasil precisaria de uma identidade própria. Uma espécie de Portal da Universidade Livre, ou qualquer nome mais criativo que venha a surgir. Um aluno não receberia seu Diploma ou Certificado de Conclusão antes de comprovar a disponibilização do seu trabalho. Teríamos um gigante repositório de conhecimento e fonte de pesquisa genuinamente Brasileiro. O mar onde os rios acadêmicos de todo o país iriam desaguar.

Participação

Os desdobramentos do direcionamento e instrumentação proporcionados pelos dois primeiros Ps são ilimitados. À medida que participam, mestres e discípulos formarão suas redes de colaboração antes mesmo do resultado final. Por que disponibilizar apenas o produto pronto, quando podemos compartilhar todo o "processo de gestação", obtendo feedback e "trocando o pneu com o carro andando"? Muitos que só queriam ser livrar da faculdade e "pegar o canudo" poderão ser infectados pelo vírus da internet 2.0, sendo instigados a dar continuidade aos seus trabalhos, mesmo que seja "apenas" ajudando aqueles que se interessam pelo mesmo tema.

Uma monografia e um projeto de software modestos (porém baseados numa idéia inovadora, às vezes até menosprezados por incompreensão dos orientadores ou falta de habilidade de escrita/codificação do aluno) poderiam se tornar um sofware livre de sucesso (mantido em seu próprio ambiente virtual, como o SourceForge.net) pelo simples fato de terem sido disponibilizados e formado uma comunidade de interessados. Tudo isso independente da vontade do seus autores principais (se participarem, melhor; do contrário, outros darão continuidade). Pesquisas excelentes poderão ter vida contínua ao invés de ficarem engavetadas. Na história, quantas teorias científicas incompreendidas em sua época foram redescobertas em pesquisas futuras que transformaram seus autores em grandes gênios post-mortem?

Pessoas querem espaço para falar e ser ouvidas. E fazem cada vez mais questão disso. Ganham reputação, uma "moeda" muito importante (isso merece um post futuro!) e já tradicional no meio acadêmico que torna-se essencial nesta "era 2.0". Quantidade de papers publicados, citações em outros trabalhos, orientandos formados, ..., número de seguidores no twitter, leitores do Blog ou de amigos no Orkut/Facebook, ...., no fim é tudo a mesma coisa.

Com participação efetiva, o Portal da Universidade Livre se tornaria um grande ponto de encontro, um catálogo de conhecimento produzido por pessoas e grupos interconectados internamente e também a diversas outras redes.

Concluindo

As idéias aqui expostas independem da área de conhecimento. Computador e internet fazem parte do mundo universitário em geral, além das ciências exatas. O Brasil pode e deve estimular a pesquisa científica e a cultura colaborativa, não apenas através do discurso inflamando e empolgante de alguns (por falar nisso, sou fã das palestras de Sérgio Amadeu, alguém que vem falando e fazendo!), mas também de políticas e ações objetivas e coordenadas. A estratégia dos 3Ps é a forma que encontrei de sugerir algo concreto.

Como não sou academico nem político, procurei fazer uso da própria Web 2.0 para expor o que penso e ouvir outras opiniões, favoráveis ou contrárias. O resultado é este post no bazedral, um blog que trata exatamente de colaboração (no texto, repare que linkei para alguns outros posts relacionados). Vamos ver se ele chega aos olhos e ouviros de Políticos e representantes de ONGs, Diretórios Estudantis, Centros Acadêmicos ou Fundações de Amparo a Pesquisa.

Critique, divulgue, cite casos de sucesso e insucesso, discorde, twitte, comente, tenha aptitude 2.0, se importe. Se você é aluno e ainda não o fez, comece já a disponibilizar sua produção. Se é professor, discuta com a turma, coloque o tema em pauta, estimule-os a publicar seus trabalhos na web, onde quer que seja. Só não fique indiferente e inerte. Isso sim, não muda nada.

Algumas sugestões de leitura

Listei aqui dicas que tem me feito compreender melhor o mundo atual e as perspectivas para o futuro. Divirta-se!

5 comentários:

Rodrigo Fagundes disse...

Muito bom o post.

O mundo acadêmico (em geral) ainda faz questão de ser apartado do resto do mundo, infelizmente.

Quando fiz minha dissertação de mestrado, acreditava piamente que a cópia eletrônica que pediram serviria para publicação, mas só foi para as bases, restritas, do universo acadêmico. Não sei se me sinto enganado ou trouxa mesmo. :)

Para o estudante/pesquisador seria ótimo divulgarem o trabalho.

Luiz Cláudio Silva disse...

Para termos ideia de como pensam os gestores da educação superior pública sobre esse assunto, basta lembrarmos que a maioria das IE, federais e estaduais, vêm criando seus escritórios de Propriedade Intelectual. E, talvez não em todos os casos, pensando em "faturar" com o conhecimento gerado pelo recurso público e não em facilitar o livre acesso e o reuso.

Haverá empresas privadas que se beneficiarão, também, sem ter contribuído em nada. Mas acho que vale a pena pelo número de pessoas, organizações e outros governos atingidos.

jose murilo disse...

Boa perspectiva. Pensamos mais ou menos da mesma forma aqui no culturadigital.br (Coordenação de Cultura Digital - MinC), e estamos avançando no desenvolvimento de um protocolo para acervos digitais, que faria o papel do que vc chamou de portal -- o agregador. Mas pensamos em algo aberto e distribuído. Alguma coisa sobre a iniciativa está registrada aqui: http://bit.ly/9Vtoxj
Vamos apresentar o projeto no Simpósio de Acervos Digitais na próxima semana, em sampa.
http://culturadigital.br/simposioacervosdigitais/
Abs.

Alisson Wilker disse...

A universidade não estaria prejudicando o desenvolvimento do espírito empreendedor da população, ao obrigar seus alunos a liberar sua produção? O fato de sugerirmos uma obrigação de liberação da produção não vai de encontro ao princípio de liberdade, defendido pelo militantes do software livre? Não seria mais efetivo e menos agressivo incentivar a liberação por meio dos 3Ps? A produção científica das universidades não deve gerar propriedade intelectual e, com isso, retorno para o país em forma de royalties? Enfim! São questões que me perguntei ao terminar de ler o post e que talvez requeiram alguma reflexão a mais a respeito do tema.

Unknown disse...

Obrigado a todos pelas contribuições!!!

Alisson, acho que incentivar é muito pouco. A Universidade Pública pra mim deveria mesmo obrigar a disponibilização Web dos trabalhos finais, pois é o mínimo de retorno que o aluno poderia dar ao dinheiro nele investido. De alguma forma ela já faz isso, colocando uma cópia impressa na biblioteca, portanto seria "no mínimo - e apenas" postar na web, independente da vontade do aluno. Quanto aos demais trabalhos, produzidos ao longo do curso durante as disciplinas, este sim deveriam ser constantemente incentivados a serem publicados.
Com certeza poderiam existir algumas exceções,mas tenho a impressão que uma absoluta maioria dessa produção academica não chega a gerar royalties, portanto não tem razão de ficarem "escondidas". Distribuição de conhecimento e inovação poderiam ocorrer muito mais em nosso país. As iniciativas aqui propostas poderiam contribuir para isso.