terça-feira, 24 de junho de 2008

O Ócio Criativo

O Ócio Criativo, livro do sociólogo italiano Domenico De Masi, trata de um futuro que pertencerá a quem conseguir se livrar da idéia tradicional de trabalho como obrigação ou dever, apostando numa mistura de atividades. onde o trabalho se confunde com o tempo livre, com o estudo (conhecimento) e com o lazer (jogo e diversão). O ócio criativo que o autor defende está associado à criatividade, à liberdade e a arte. Não pretendo me aprofundar nos pensamentos de De Masi (sugiro ler o livro ou dar uma olhada neste resumo), mas pegarei emprestado este título para exemplificar um fenômeno que tem a empresa Google como ícone, mas percebo estar ocorrendo sutilmente nas empresas.

Os engenheiros de software da Google devem passar 1/5 do seu tempo em projetos de seu interesse. A Norma dos 20% é uma maneira de encorajar a inovação. Em vez de ter funcionários virando a noite tentandos ser inventores em casa, o Google proporciona liberdade e recursos. O quadro interno de avisos é uma maneira de divulgar o que cada um está fazendo, e também de conseguir parceiros. Após um período de incubação, algumas idéias são financiadas e tornam-se projetos oficiais. Enquanto em outras empresas trabalhos freelancers são vistos com maus olhos, fazendo com que muitos precisem trabalhar em segredo, na Google a mensagem é contrária, algo como "você tem um dia por semana para trabalhar no que você, não seu patrão, está interessado". Em outras palavras, "divirta-se"!

Há muitos anos, uma proposta semelhante fez surgir na 3M (lá eram 15%) o famoso adesivo Post-it. Da mesma forma surgiu o Google News, um site automatizado que colhe, organiza e exibe notícias de centenas de fontes de acordo com o interesse de cada leitor. Em empresas como Sun e IBM profissionais dedicam tempo participando de comunidades e contribuindo em projetos open source. Nas empresas de TIC do governo brasileiro, por exemplo Serpro e Dataprev, existem funcionários trabalhando em softwares do Portal de Sofware Público. E já se fala em permitir dedicação parcial a projetos de código aberto.

Existe uma sutil diferença entre o que prega a Google e o que vem ocorrendo no Brasil. Lá estimula-se a colaboração interna (o que não exclui, de forma alguma, a interação com as comunidades) enquanto aqui ainda se fala em colaboração externa (se fala em permitir dedicação a comunidades de software livre, mas não a projetos internos da empresa). Outro problema: Não existe um "mural interno de idéias". Ninguém sabe quais projetos estão acontecendo (estou falando mais de empresas médias e grandes, com pessoas espalhadas geograficamente), portanto é muito mais difícil angariar adeptos. Muitas deficiências internas das organizações de TIC (ferramentas corporativas, por exemplo, normalmente são um fiasco) poderiam ser rapidamente sanadas com uma proposta colaborativa. Mas hoje, é mais adequado o ditado popular "Casa de Ferreiro, Espeto de Pau".

Bem, essa nova cultura não se instala por decreto. A mesma fórmula da Google pode não funcionar em outras empresas. Eles "são assim" porque seus fundadores pensam dessa forma, e procuram contratar profissionais que tenham esse perfil. Na SUA organização, talvez muitos não tenham a menor noção do que fazer com seus 20%. Os gerentes, num primeiro momento, ficarão atordoados sem saber como "controlar" esse "tempo livre" (e quem disse que eles tem que administrar?). O pior é quebrar o pensamento "como vou abrir mão de 20% dos meus funcionários, enquanto tenho um backlog de demandas do meu cliente aguardando atendimento?". É difícil substituir o imediatismo por investimentos de médio/longo prazo. Não existe uma receita pronta (em próximos posts, apresentarei algumas dicas), mas procurei mostrar alguns ingredientes que devem ser considerados.

Apesar das dificuldades naturais (como sempre, o gargalo está na gestão), acredito fortemente que o primeiro passo precisa ser dado e deve ser cuidadosamente planejado. Os fatos demonstram que nesse "tempo livre" (o "Ócio Criativo"), onde o trabalho, estudo e lazer se confundem, há espaço para inovação, criatividade e diversão. A satisfação pessoal/profissional aumenta e idéias promissoras ainda podem gerar grandes lucros para as empresas. Todo mundo ganha!

3 comentários:

Roberto Pinho disse...

colaborando:

A filosofia da Google inclui um processo de seleção bastante peculiar, com, salvo engano, aprovação de cada contratação pela dupla de fundadores.

Vinícius Pitta Lima de Araújo disse...

Acho que no Brasil falta abertura e ética pra isso. Poucas empresas estão preparadas para recompensar justamente boas idéias. É mais fácil elas simplesmente se apropriarem da idéia como se fosse parte das obrigações do funcionário.

Roberto Pinho disse...

discordo que seja uma característica do país. Mesmo nos EUA, a experiência da Google é ponto fora da curva. Mas em ambos os lugares existem experiências para premiar sugestões. Este é o tipo de coisa que avança uma empresa de cada vez. Cultura é mais facilmente alterada em organizações do que em países. Outro dia vi o exemplo de um funcionário do governo americano que deu uma idéia que significou um aumento de bilhões em arrecadação. Ele ganhou uma placa de agradecimento... depois de muitos anos e de insistência dos deputados, acho que criaram uma lei que premiou o sujeito com USD40mil, mas a reportagem comentava como foi difícil isto ocorrer.