O Ócio Criativo, livro do sociólogo italiano Domenico De Masi, trata de um futuro que pertencerá a quem conseguir se livrar da idéia tradicional de trabalho como obrigação ou dever, apostando numa mistura de atividades. onde o trabalho se confunde com o tempo livre, com o estudo (conhecimento) e com o lazer (jogo e diversão). O ócio criativo que o autor defende está associado à criatividade, à liberdade e a arte. Não pretendo me aprofundar nos pensamentos de De Masi (sugiro ler o livro ou dar uma olhada neste resumo), mas pegarei emprestado este título para exemplificar um fenômeno que tem a empresa Google como ícone, mas percebo estar ocorrendo sutilmente nas empresas.
Os engenheiros de software da Google devem passar 1/5 do seu tempo em projetos de seu interesse. A Norma dos 20% é uma maneira de encorajar a inovação. Em vez de ter funcionários virando a noite tentandos ser inventores em casa, o Google proporciona liberdade e recursos. O quadro interno de avisos é uma maneira de divulgar o que cada um está fazendo, e também de conseguir parceiros. Após um período de incubação, algumas idéias são financiadas e tornam-se projetos oficiais. Enquanto em outras empresas trabalhos freelancers são vistos com maus olhos, fazendo com que muitos precisem trabalhar em segredo, na Google a mensagem é contrária, algo como "você tem um dia por semana para trabalhar no que você, não seu patrão, está interessado". Em outras palavras, "divirta-se"!
Há muitos anos, uma proposta semelhante fez surgir na 3M (lá eram 15%) o famoso adesivo Post-it. Da mesma forma surgiu o Google News, um site automatizado que colhe, organiza e exibe notícias de centenas de fontes de acordo com o interesse de cada leitor. Em empresas como Sun e IBM profissionais dedicam tempo participando de comunidades e contribuindo em projetos open source. Nas empresas de TIC do governo brasileiro, por exemplo Serpro e Dataprev, existem funcionários trabalhando em softwares do Portal de Sofware Público. E já se fala em permitir dedicação parcial a projetos de código aberto.
Existe uma sutil diferença entre o que prega a Google e o que vem ocorrendo no Brasil. Lá estimula-se a colaboração interna (o que não exclui, de forma alguma, a interação com as comunidades) enquanto aqui ainda se fala em colaboração externa (se fala em permitir dedicação a comunidades de software livre, mas não a projetos internos da empresa). Outro problema: Não existe um "mural interno de idéias". Ninguém sabe quais projetos estão acontecendo (estou falando mais de empresas médias e grandes, com pessoas espalhadas geograficamente), portanto é muito mais difícil angariar adeptos. Muitas deficiências internas das organizações de TIC (ferramentas corporativas, por exemplo, normalmente são um fiasco) poderiam ser rapidamente sanadas com uma proposta colaborativa. Mas hoje, é mais adequado o ditado popular "Casa de Ferreiro, Espeto de Pau".
Bem, essa nova cultura não se instala por decreto. A mesma fórmula da Google pode não funcionar em outras empresas. Eles "são assim" porque seus fundadores pensam dessa forma, e procuram contratar profissionais que tenham esse perfil. Na SUA organização, talvez muitos não tenham a menor noção do que fazer com seus 20%. Os gerentes, num primeiro momento, ficarão atordoados sem saber como "controlar" esse "tempo livre" (e quem disse que eles tem que administrar?). O pior é quebrar o pensamento "como vou abrir mão de 20% dos meus funcionários, enquanto tenho um backlog de demandas do meu cliente aguardando atendimento?". É difícil substituir o imediatismo por investimentos de médio/longo prazo. Não existe uma receita pronta (em próximos posts, apresentarei algumas dicas), mas procurei mostrar alguns ingredientes que devem ser considerados.
Apesar das dificuldades naturais (como sempre, o gargalo está na gestão), acredito fortemente que o primeiro passo precisa ser dado e deve ser cuidadosamente planejado. Os fatos demonstram que nesse "tempo livre" (o "Ócio Criativo"), onde o trabalho, estudo e lazer se confundem, há espaço para inovação, criatividade e diversão. A satisfação pessoal/profissional aumenta e idéias promissoras ainda podem gerar grandes lucros para as empresas. Todo mundo ganha!
3 comentários:
colaborando:
A filosofia da Google inclui um processo de seleção bastante peculiar, com, salvo engano, aprovação de cada contratação pela dupla de fundadores.
Acho que no Brasil falta abertura e ética pra isso. Poucas empresas estão preparadas para recompensar justamente boas idéias. É mais fácil elas simplesmente se apropriarem da idéia como se fosse parte das obrigações do funcionário.
discordo que seja uma característica do país. Mesmo nos EUA, a experiência da Google é ponto fora da curva. Mas em ambos os lugares existem experiências para premiar sugestões. Este é o tipo de coisa que avança uma empresa de cada vez. Cultura é mais facilmente alterada em organizações do que em países. Outro dia vi o exemplo de um funcionário do governo americano que deu uma idéia que significou um aumento de bilhões em arrecadação. Ele ganhou uma placa de agradecimento... depois de muitos anos e de insistência dos deputados, acho que criaram uma lei que premiou o sujeito com USD40mil, mas a reportagem comentava como foi difícil isto ocorrer.
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